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sábado, 2 de novembro de 2013

ENTREVISTA A JOSÉ SILVA.


José Silva: “Quero fazer passar do ZECA AFONSO, a ideia de um homem culto… solidário e não a de um DISTRAÍDO, como distraídos andam os portugueses”


Canta Zeca Afonso como poucos. José Silva tem do trovador, do militante e do Homem solidário, a principal referência da sua vida. Crítico com o sistema e com os sistemas, que produzem na nossa sociedade um leque de distraídos, o nosso convidado tem uma maneira muito própria de encarar a cultura, a música, a vida… a política. É senhor que não tem papas na língua. Sem censuras, e mesmo sem nos ter encantado com o seu canto durante este nosso encontro, José Silva revela-se revelando José Afonso. Mas, não só… não só!

Quem é o José Silva?
“É uma pergunta muito difícil! Como é que vou responder a isso? O José Silva- este indivíduo de 65 anos, que viveu as emoções, fez o 25 de abril e teima hoje viver as emoções do 25 de abril – é uma pessoa que não se sente frustrada, mas triste pelo rumo que as coisas levaram, pelo afastamento do espírito e das promessas da Revolução.”
É natural de onde?
“De S. Mamede Infesta. Vivo, hoje, no Porto, mais concretamente, em Campanhã”.
Teve sempre uma intervenção ativa na sociedade?!
“Sim. Procurei sempre – porque é o meu dever e o dever de toda a gente – intervir na sociedade. É uma forma de nos mantermos vivos! Fui sempre militante, não militante partidário – não tenho esse espírito! -, afastei-me sempre dos partidos, excetuando no período antes do 25 de abril, durante o qual fiz parte do MDP/CDE. Depois da Revolução jamais fiz parte de um partido, mas tenho uma intervenção política junto dos partidos de esquerda. Não sou homem de direita. E, com a minha música, vou intervindo…”
José Afonso
“O Zeca Afonso é a referência principal da minha vida”
Ia chegar mesmo a isso. O José Silva é conhecido como cantor de intervenção, relevando o nome de José Afonso?!
“O José Afonso é a referência principal da minha vida, com muita alegria e orgulho. Penso que toda a gente da minha geração, que esteve desperta para os valores da solidariedade, teve, e tem ainda, o Zeca Afonso como referência. Ele foi como que um mestre para a minha geração! É certo que alguns andaram afastados do Zeca – andaram distraídos! -, e, hoje, isso também acontece.
Devo muito ao Zeca Afonso. E a minha geração, que hoje vive estes valores humanos; estes valores de solidariedade; que combate o neoliberalismo; estas políticas assassinas e desgraçadas… ainda tem por referência, e vive, o espírito do Zeca Afonso. Eu canto o Zeca Afonso porque acho que ele enriqueceu a minha geração.”
Conheceu, pessoalmente, o Zeca Afonso?
“Conheci-o pessoalmente e cheguei a tocar com ele. O Zeca Afonso era um homem muito acessível. Cantei só uma vez com ele, em Friume, Vila Real. Ele como que mal sabia tocar e cantar, fazia-me sentir igual a ele! Isso, hoje, até me faz rir. O Zeca Afonso era um homem extraordinário…
…de coração aberto.
“Homem culto, extraordinário. E isso faz-nos falta hoje!”

“O Zeca Afonso é uma referência incontornável”
Depois de tantos anos, o Zeca ainda o emociona?
“Emociona muito!”
E essa emoção, quando você o canta, é transmitida ao público?
“Sinto que sim. Sobretudo o público que conheceu o Zeca Afonso e que vive estes valores da Humanidade e de crescimento da pessoa. Zeca Afonso é uma referência, absolutamente, incontornável!”
Também canta, por exemplo, Adriano Correia de Oliveira?
“Também canto o Adriano, e não só os dois. Estamos a falar deles porque são os maiores. O Adriano trabalhou muito e tinha uma força extraordinária, mas faltava-lhe a maturidade do Zeca Afonso. E não é só isso: o Zeca Afonso é quem puxa esta gente toda! O Zeca Afonso fez escola. O Zeca inicia a trova…
O Adriano fazia uns bailes, onde tocava numa guitarra elétrica. Era muito novo. Ele vai para Coimbra com 17 anos, quando o Zeca já tinha 32 ou 31, mas o Adriano depois de conhecer o Zeca Afonso, não quer outra coisa, e é, a partir daí, que ele entrega-se à canção de intervenção.”
Teve conhecimento direto, quanto ao relacionamento musical entre os dois?
“Bem, eu sou do Porto, andava por aí, e eles estavam em Coimbra. Registe-se o facto de que o Zeca Afonso nunca esteve numa “República”, porque residia lá, mesmo quando estudante da Universidade  – e casa-se muito novo: com 19 anos – mas visitava muito a “Bota Abaixo”. E dormia lá muitas vezes. Ele era boémio! Coitada, da mulher dele…a Amália” (risos).
A República “Bota Abaixo”, isto em outubro do ano passado, quis lembrar o Zeca e fui lá cantar. Entretanto, fui convidado para o mês que vem (leia-se Outubro) para ir cantar à “Rás-Te-Parta”, que é uma outra República, onde, aí sim, esteve o Adriano Correia de Oliveira.”

“O PS desvirtuou o espírito do 25 de abril”
Esteve, alguma vez, em contacto presencial com o Manuel Alegre, um poeta de referência nessa altura, aliás, como também o é atualmente?
“Não. O Manuel Alegre, nessa altura, estava exilado. Mas, depois conheci-o como toda a gente o conhece. Aliás, na última campanha dele para a Presidência da República vieram-me convidar para cantar e eu não fui, porque achei que o Manuel Alegre desviou-se do caminho. Por isso achei que não devia ir fazer campanha por ele.
Se calhar não fui muito simpático para com a gente amiga que me convidou, mas ainda hoje não canto para o Partido Socialista, porque acho que o PS desvirtuou a grande promessa, a grande esperança… o grande espírito do 25 de abril. Os socialistas, de certeza, que não estão de acordo comigo, mas, se tivéssemos seguido esse espírito, o povo não se estava atirar das janelas para fugir à fome. A Revolução acabou e o povo, em termos materiais, poderia estar muito melhor do que está, se os partidos que compõem o centro fossem formados por gente honesta e se seguissem o ideal do 25 de abril. Assim sendo, não apoiei a campanha do Manuel Alegre!”
Qual é, na realidade, a sua profissão?
>“Estou aposentado. Antes, fui um pequeno industrial da construção civil. Hoje, a minha profissão é a de tentar que as pessoas tenham mais cultura. Se nós fossemos mais conscientes; se tivéssemos mais cultura, não havia tanto aldrabão na política a roubar-nos a esperança… a roubar-nos o futuro. O Zeca diz que “com papas e bolos se engana o povo” e parece-me que é isso o que, atualmente, está a acontecer. Mas, engana-se o povo, porque o povo enfim…
…é “banana”?
“Não sei se é banana. Não diria que seja assim. Simplesmente, é conduzido. Toda esta intoxicação nas televisões, nas novelas, e nisso tudo, tem distraído o povo. Neste país não se lê um livro, e, portanto, fica-se a assistir…. a aplaudir, e pronto!”

“Nada gravei até hoje!”
>Quando é que surge a música na sua vida?
“De muito novo. Surge com o Zeca Afonso… ele foi o meu mestre. Aliás, ainda tenho a minha primeira viola, que comprei num violeiro, o Domingos Serqueira, na rua de Costa Cabral, aqui no Porto. Fui lá com os meus 18-19 anos e mandei fazer uma viola. Não sabia tocar nada, mas comprei-a e fui aprendendo as tocar. Antes do 25 de abril era muito arriscado intervir, mas quando as pessoas pediam-me para cantar em reuniões políticas, eu, na minha inconsciência, ia todo contente, ainda mal sabendo tocar ou cantar.”
Era já o divulgar da música, mas também da letra que a acompanha. Muita gente esquece-se da letra…
“…a música, por exemplo, do Zeca Afonso é servida por excelentes poemas, alguns panfletários – é verdade! -, mas, na altura, isso era preciso. A verdade, neste caso, é que as pessoas sabem a letra das músicas do Zeca e já são várias as gerações a cantá-las.”
Nunca gravou um disco  desde que começou a cantar? Isto há quantos anos?
“Há quarenta e tal. Quando era novo, andavam por aí uns empresários interessados em mim, pois, ao que parece, sentiam que eu cantava bem. Dois deles insistiram muito para tornar-me profissional… tratavam de tudo, e não sei que mais! Bastava eu dizer que “sim”! Mas, eu sabia que, com eles, teria de cumprir um contrato, e o contrato, nas mãos de um empresário, é só para fazer aquilo que dá dinheiro e nada mais do que isso. Assim, nunca me quis vincular a eles e nada gravei até hoje.”
Mas está afastada, por completo, a ideia de gravar um CD?
“Está! Já não tenho qualidade para isso! Quem for à Net, ou mais concretamente ao Youtube, têm lá registos de muitas cantigas em espetáculos que participei. Não tenho mais nada e não vou gravar! Não o fiz em novo, quando me sentia mais seguro e muito mais útil – não quero dizer com isso que me sinta inútil, não!… é de outra maneira! -, e ia fazê-lo agora?! Agora, não!… não gravarei! ”

“O Porto está péssimo em termos culturais…”
Cidadão do Porto, porque nele vive, como é que está, em seu entender, esta nossa cidade?
“Em termos culturais está péssima! E não sei se em outros termos o Porto está bom. É claro que a nossa vida de hoje, não é a vida do antes do 25 de abril… também mau era. Mas, o Rui Rio representou, e ainda representa, as forças que desvirtuaram o 25 de abril: tudo é negócio; tudo tem que valer dinheiro, e a cultura também. Que forças culturais temos cá?
Temos uma Casa da Música…
“…que se paga bem pago para se ir lá! Olhe para o caso do Rivoli. Você ainda é muito novo, mas quando era rapaz, ia lá, aos domingos de manhã, ouvir os grandes concertos, de borla… era uma delícia! Hoje tudo isso acabou. Para se assistir a um concerto tem que se pagar. Rui Rio, em termos culturais, esteve mal! Ele pôs os automóveis na Boavista que, para a gente que lá vive, deve ter sido uma chatice. Não sei se aquilo deu lucro?! Mas, a vida não é só dinheiro!”
Sei que tem colaborado com muitas coletividades…
“… toda a minha vida e ainda hoje. Estou sempre ao dispor das coletividades, porque me parece que é um espaço de encontro extraordinário. É preciso fazer as pessoas sair de casa, porque, em casa, elas só têm a televisão e é só através da televisão que se faz toda esta intoxicação…
… têm a NET?!
“É a mesma coisa! A vida saudável passa por sair de casa; passa pelo convívio; passa por estarmos uns com os outros! É assim que vamos crescendo humanamente. Por isso, estou sempre ao dispor das coletividades.”
“Há muita gente que se julga poeta, e está tão convencida que pensa ter chegado ao nível de um Camões”
Também colabora com um grupo de poetas?!
“Com vários grupos. Felizmente, o Porto, fora do sistema, tem muita gente que gosta de poesia e que recebe poetas. Como nesses encontros de poesia eles precisam intervalar a poesia com a música e o canto, vou lá! Por isso, é que eu e mais duas ou três pessoas, estamos sempre metidos nisso. Tenho também, há muitos anos, uma iniciativa para a divulgação dos nossos escritores portuenses, isto na UNICEP, que, a cada quarta-feira de cada mês, lá se reúnem. O próximo encontro será realizado, dia 23 de outubro, pelas 21h30, com a presença de Carolina Michaëlis de Vasconcelos, na companhia da cantora Ana Ribeiro.”
Tem poemas?
“Não. Não sou poeta!”
Mas, gosta de poesia?
“Gosto muito de boa poesia. Nesta questão faço uma boa distinção: acho que há muita gente que se julga poeta, e está convencida que pensa ter chegado ao nível de um Camões, ou coisa assim! E julgando-se a esse nível, só falam deles próprios. Não sei como é que se pode dar a volta a isto, porque isto acontece há muito tempo. Acho bem que as pessoas escrevam poesia, só que há muito narcisismo! É uma coisa horrível! Ainda assim temos poetas excecionais. Falei em Camões, mas poderia falar em Antero Quental… ninguém o conhece! Eles só leem aquilo que é deles.”

“A vida é muito bonita se for levada com consciência e inteligência.”
Como é que uma pessoa que teve tanta vida ativa antes do 25 de abril, reage à atual sociedade? Como aguarda o futuro?
“Não penso muito nisso. Continuo o percurso que fiz até aqui, até porque, suponho que não saberia viver de outra maneira. Este é o viver da margem, é o não me deixar apanhar pelo sistema. Não sei se sou contra a corrente? Estarei na margem, não participando com os sistemas. E há muitas maneiras de não participar com os sistemas: eu evito, por exemplo, ir aos espetáculos dos sistemas, como os o do Filipe La Féria, ou dos do Tony Carreira… toda essa gente é criada. Nós temos de ter criação fora do sistema, o teatro , o livro, a música…
… mas não tem de haver essa música pimba? Não pode haver essa alternativa?
“Não sei o que é que a gente aprende com isso? Isso é o divertimento, é o divertimento das pessoas distraídas. A vida não é sacrifício! A vida é muito bonita se for levada com consciência e inteligência.”
Portanto, não quis ser profissional para não entrar no sistema?!
“Para não entrar no sistema; para ser livre; para poder ir cantar só onde eu quero; para poder estar só com as pessoas que eu quero… com as pessoas que precisam de mim. Eu não vou entreter as pessoas. O profissional está limitado ao empresário, e este procura o lucro. Quando o cantor cai no goto das pessoas, eles investem nele. Falo de cantores que nunca fizeram uma música e que, às vezes, nem cantar nem tocar sabem.”
“A voz do Zeca Afonso era extraordinária!”
O Zeca Afonso não sabia ler música.
“Pois não. Mas isso é um dos fenómenos do ser humano.”
Havia um professor, ou amigo estudante, em Coimbra, que lhe escrevia as músicas?!
“Bem, as músicas apareciam-lhe, e, naquela altura, nem sequer havia gravadores. Até se contam histórias extraordinárias acerca do Zeca Afonso. Ele, durante o dia, lembrava-se das melodias e, à noite, para delas não se esquecer, punha a filha e a mulher a cantarola-las! Agora, o grande colaborador do Zeca Afonso e também do Adriano, em Coimbra, era o Rui Pato, um jovem que hoje é médico, e era um virtual da viola. Era um homem que gostava muito de tocar viola e, ainda por cima, umas coisas novas. Ora, como não havia gravadores, o Zeca andava a assobiar constantemente – e disso há testemunhos de alunos – para fixar a melodia. E, muitas das vezes, nem tinha dinheiro, mas ia a Coimbra ter com o Rui Pato, para ver se ele punha a melodia na viola.
Depois, quando apareceram os gravadores, ele já conseguia resolver as coisas. A verdade, é que as melodias surgiam-lhe. Depois, é bom realçar, que são também músicas muto simples. Ele não sabia música, dizem até que ele de tocar viola sabia pouco – pelo menos não sabia sequer afina-la -, mas sabia, isso sim, o suficiente para por na viola as melodias que lhe surgiam.”
E depois a “voz” dele…
“… era uma coisa trágica… uma coisa extraordinária, que fez dele o cantor que foi, e que é, de referência para muitas gerações. Pena é que não seja de mais gente.”


“O Zeca Afonso não queria fazer os espetáculos (homenagem) nos Coliseus”
Está ligado à Associação José Afonso (AJA)?
“Sou fundador da AJA-Norte. Hoje, não estou lá devido à minha vida. A AJA-Norte está a fazer coisas extraordinárias e, sempre que sou preciso, vou cantar com eles, mas não estou lá integrado.”
O Zeca Afonso deveria ter mais uma grande homenagem nacional, ainda que já a tivesse, em vida, no Coliseu de Lisboa?
“O espetáculo do Coliseu, que foi nos Coliseus, o Zeca Afonso não os queria fazer. Ele fez os espetáculos por necessidade. A Zélia – sua mulher e que, felizmente, ainda é viva -, quando o Zeca estava a começar a ficar, como acabou por ficar, paralisado, vivia num andar, precisando, assim, de uma casa que não tivesse escadas, de maneira a, com uma cadeirinha, mete-lo no carro e leva-lo a passear. Mas eles não tinham dinheiro! Não tinham dinheiro para nada! Assim decidiram-se por fazer aqueles espetáculos, digamos que de beneficência. Não vou dizer que foi pena – não senhor! -, porque aqueles espetáculos foram uma referência. Mas, esses espetáculos não traduziram a imagem de vida do Zeca Afonso. Essa não era a vida do Zeca Afonso. O Zeca Afonso ia cantar de borla a associações sem qualquer tipo de condições. Ia para as vilas, para as aldeias… foi isso a sua vida!
Na altura, as pessoas apareceram nos Coliseus porque foi o sistema que fez aquilo. Aquele é que é um espetáculo já integrado no sistema. A publicidade, as personalidades na primeira fila e tudo mais! Não foi mau! Pronto! Ele precisava do dinheiro para acabar os seus dias. Mas, a vida do Zeca Afonso foi outra, foi uma vida militante!”
E nessas terras, as tais aldeias e vilas, para onde ele ia, nem sempre era bem recebido. Sabe-se que em Grândola – ironia do destino-, foi, inclusive… cuspido.
“Mas, não foi só isso. Ele fui insultado em alguns sítios. O Adriano Correia de Oliveira, por exemplo, chegou mesmo a andar à porrada!”

O Zeca Afonso era, sem dúvida, um homem de luta. Você consegue transmitir essa “imagem”?
“Não sei se consigo! Tento! É preciso ter as condições necessárias para cantar. Mas, acima de tudo, a ideia que eu quero fazer passar do Zeca Afonso é a de um homem culto, militante, solidário e não a de um distraído como distraídos andam os portugueses. As canções que ele nos deu são lições! Montes delas com uma atualidade extraordinária. Como é que ele conseguiu isso? A culpa não é dele, de certeza! A culpa é de quem manteve esta situação política, estagnada, parada e a piorar até aos nossos dias.”
Quando é que isso muda?
“Quando o povo tomar consciência da sua dignidade e da sua força, então, teremos um Portugal novo!”

Texto: José Gonçalves
Fotos: António Amen



Novelas, 2 de Novembro de 2013


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