Américo Tomás candidato do regime. |
Este regime sofre o
primeiro abalo digno desse nome, nas eleições realizadas em 1958, para a
Presidência da República, sendo o candidato do regime o Almirante Américo
Tomás, e o da oposição o General Humberto Delgado, que conseguiu unir na sua
candidatura todas as forças oposicionistas ao regime, incluindo os comunistas
com a desistência do seu candidato Dr. Arlindo Vicente a favor do General.
Humberto Delgado no Café Chave de Ouro em Lisboa |
A 10 de Maio de 1958,
no primeiro acto público no Café Chave de Ouro, em Lisboa, Humberto Delgado
responde à pergunta feita por um jornalista da France Press:
- Qual a sua atitude
para com o Sr. Presidente do Conselho (Dr. Oliveira Salazar), se for eleito?
A resposta foi
imediata, enérgica, sem hesitação ou temor:
“Obviamente, demito-o”.
Devido a esta resposta,
ganha o cognome de “General sem Medo”.
Vindo de comboio até ao
Porto, no dia 14 de Maio, onde o esperava um mar de gente (200.000 pessoas),
para fazer o seu primeiro comício da sua campanha. Foi de tal maneira recebido
que declarou que “o meu coração ficará no Porto”.
Humberto Delgado em Paço de Sousa nos Gaiatos, com o Dr. Rodrigo de Abreu junto ao General.
A campanha prossegue, e
a 15 de Maio, visita Penafiel, acompanhado pelo penafidelense Dr. Rodrigo de
Abreu, um dos principais apoiantes do General, chegando a emprestar o seu
próprio carro para Humberto Delgado visitar várias localidades do Norte do
país.
Humberto Delgado diante da campa do Padre Américo em Paço de Sousa.
Entrando no concelho
por Paço de Sousa, onde vai visitar a Casa dos Gaiatos, e presta homenagem a
Padre Américo diante da campa onde repousavam os restos mortais do fundador
desta instituição.
Humberto Delgado em Penafiel
Depois, rumou ao centro
da cidade de Penafiel, onde centenas de apoiantes o aguardavam.
Impossibilitado de
falar da varanda do município, subiu para o tejadilho de um carro e falou para
a multidão que o rodeava.
Depondo um ramo de flores, aos mortos da Grande Guerra |
No final foi-lhe
oferecido um ramo de flores, o qual foi colocado no monumento aos mortos da
Grande Guerra. Todas estas andanças, foram registadas pela câmara fotográfica,
do penafidelense Antony Guimarães.
Anúncio publicado no jornal local "O Tempo". |
Apesar da manipulação
total dos resultados eleitorais, no concelho de Penafiel, o General vence as eleições na
freguesia de Novelas, e perde por pouco na de Paço de Sousa.
Humberto Delgado exercendo o seu direito de voto.
Os resultados oficiais
das eleições no distrito do Porto
União Nacional Oposição
Amarante 3.035 1.217
Baião 1.864 306
Felgueiras 2.657 815
Gondomar 4.849 2.147
Lousada 1.546 539
Maia 1.972 1.305
Marco
de Canavezes 3.442 394
Matosinhos 3.652 2.982
Paços de Ferreira 1.800 788
Paredes 3.189 1.220
Penafiel 3.729 1.011
Porto 18.302 8.865
Póvoa do Varzim 2.650 1.260
Santo Tirso 4.357 3.049
Valongo 1.439 570
Vila do Conde 3.632 1.515
Vila Nova de Gaia 6.979
7.760
O único concelho em que
o General Humberto Delgado ganha, no Distrito do Porto, é em Vila Nova de Gaia.
Levado em ombros |
No rescaldo das
eleições, o Governador Civil do Porto, Dr. Elísio de Oliveira Alves Pimenta, envia
uma circular a todos os Presidentes de Câmara para estes se pronunciarem sobre
os resultados eleitorais no seu concelho.
GOVERNO
CIVIL DO PORTO
Circular
nº M-7/2
Porto, 17 de
Junho de 1958
Exmº Senhor
Presidente da Câmara
Municipal de…..
Rogo a Vª Excª
se digne elaborar e enviar-me um relatório, tanto quanto possível circunstanciado
da forma como decorreu a eleição presidencial nesse concelho, por freguesias e assembleias,
especificadamente, informando das causas de ordem geral ou local que, porventura,
tenham influído nos resultados.
Presidente da Câmara de Penafiel, Dr. Francisco da Silva Mendes.
CONCELHO
DE PENAFIEL
Informação
sobre o acto eleitoral
Foi este
concelho, como quase todos, surpreendido por uma vaga de hostilidade tão inesperada
e falta de lógica que, sem dúvida, será erro minimizar o facto e sepultá-lo sob
o entusiasmo e a tranquilidade da vitória.
Bem-haja, pois,
o Governo em pretender, sem tardança inquirir sobre os factores que poderão ter
determinado esta espantosa e dupla anomalia: - um país em pleno, vigoroso e patente
ressurgimento e que se não mostra unânime em conhecê-lo e reconhecê-lo; por
outro lado um país que, em larguíssima extensão, por isto ou por aquilo, se mostra
clamorosamente insatisfeito e que todavia apoia o Governo com uma maioria de
75% dos seus votos, caso único, supomos, no mundo das democracias.
Sem dúvida o
infundado do descontentamento por um lado e a atitude eleitoral dos
descontentes por outro, constituem um problema que merece ser seriamente
considerado.
Prestamos o
nosso depoimento com séria preocupação de ser objectivos e sobretudo leais.
I
Presumíveis
factores de descontentamento
1º É um factor
psicológico.
Parece-nos
errado supor que a reacção anti-demagógica de 28 de Maio significava um repúdio
geral e definitivo dos velhos hábitos liberais e democráticos, tão enraízados
nos povos latinos daquém e dalém Atlântico e viáveis melhor ou pior na maioria
das Nações. Se significasse trinta anos de governação sábia honesta e feliz e
de doutrinação paralela intensificada por todos os meios teriam eliminado todos
os vestígios dos velhos hábitos e a eleição recente não defrontaria com as
dificuldades que teve de vencer.
Verifica-se que
permanece um apego mais ou menos acentuado aos princípios demoliberais mesmo
naqueles que nem por isso deixaram de votar, ainda desta vez, na situação vigente.
Para muitos dos nossos a persistência da censura à imprensa, a ausência duma representação
das minorias discordantes na Assembleia Nacional, certos aspectos do intervencionismo
do Estado no domínio económico, são outros tantos motivos de reparo e desafeição
pelo regime.
Será impossível
vir ao encontro destes reparos sem comprometer a estrutura essencial e a
estabilidade do regime? Antes não fosse.
2º Este factor é
de ordem moral.
O contacto
directo e pessoal com os eleitores acabou de nos mostrar a aflitiva falta de civismo
duma grande massa eleitoral. A solicitude pelo Bem Comum é sufocada pela
pressão do caso individual ou local. Confrange contar o número de votos que se
negam ou apresentam difíceis só porque se pagou uma multa, ou porque se não
obteve certo emprego, ou porque está intransitável um caminho, ou porque o
fontanário secou na estiagem, ou porque a electricidade ainda não chegou a
certo lugar, ou por muitas outras razões do mesmo teor.
Quando
ripostamos com os grandiosos empreendimentos do estado, ficam indiferentes.
Não lhes
interessava. O que conta é o seu caso pessoal e local.
Tal atitude de
espírito é lamentável. Mas existe e ameaça persistir e agravar-se. Ora se para
o caso pessoal a solução é impossível, porque só se encontraria no regresso a
uma “politiquice” indecorosa, o mesmo não acontece para o caso local. Este é
afinal uma parcela do Bem Comum.
E pensamos então
se a preocupação do monumental e do grandioso não estará sacrificando as
modestas necessidades e pretensões das localidades rurais onde labuta ingratamente
e sofre a gente mais sã do país.
3º Este factor é
de ordem económica.
O corporativismo
não conseguiu ainda captar a simpatia das classes. É mal conhecido na sua
orgânica e, porque imposto de cima, aceite com relutância.
A presunção de
que “iam acabar os grémios” suscitou em certos meios um entusiasmo significativo
e deu, presumimos, à oposição farto contingente de votos.
Nova anomalia se
verifica: foi justamente nas classes mais favorecidas pela organização
corporativa, que se encontrou a maior oposição. Confronte-se a atitude dos
meios provincianos e rurais com a dos meios industriais e operários. O facto
apresenta-se enigmático e não se vê para fácil explicação nem remédio adequado.
Que o estudem os
técnicos. Não seria desejável tornar mais eficaz a orgânica das Caixas de
previdência e da assistência médico-social e mais patentes e desembaraçados os
seus benefícios?
II
No panorama
local
Factores de
êxito.
Dos 4739
votantes do concelho de Penafiel votaram pelo Candidato Nacional 3728 e pelo
candidato da oposição 1011, ou seja 23% apenas. Tal resultado que, em absoluto
e por confronto, pode considerar-se muito bom, deveu-se a factores diversos que
convém apontar e discriminar, porque, se uns são de carácter permanente e devem
persistir, outros foram ocasionais e podem não se repetir do futuro.
Entre as
primeiras anotamos:
a) A índole sã
da gente do concelho, cristã e conservadora, ávida sobretudo de paz e sossego,
receosa de aventuras perigosas e de saltos para o desconhecido.
O seu estado de
espírito traduzia-se em prestações como estas: “O que nós queremos é trabalhar
em paz”, “Mais vale o pouco certo que o muito duvidoso”; "para melhor
ninguém muda”; ou ainda uns mais cépticos, “mal por mal antes o que está”.
b) A actuação
directa e pessoal de elementos prestigiosos da União Nacional, onde os havia,
junto de cada eleitor.
Deve frisar-se
que não temos notícia de que em parte alguma se tenha recorrido aos velhos
processos do caciquismo: nem prosas enganosas, nem compromissos de favoritismo,
nem ameaças de qualquer espécie, nem nada que se parecesse com mendicidade de
voto.
c) Trabalho
exaustivo dos elementos da União Nacional, acudindo de pronto, uma e mais vezes
onde quer que se revelava uma actuação mais insistente dos adversários, ou melindres
mesquinhos ameaçavam a unidade política dos nossos. Pode esperar-se que este factor
persista se a União Nacional for prestigiada devidamente.
Entre os
segundos anotemos:
a) A reacção do
sentimento religioso alarmado pela irreligiosidade e ateísmo blasfemo do
candidato oposicionista, logo que o facto se tornou público. E neste particular
os párocos cumpriram nobre e corajosamente o dever que a sua consciência e suas
responsabilidades lhes impunham.
b) O efeito,
mais elucidativo que a melhor propaganda dos tumultos e desacatos produzidos em
Lisboa e Porto e Braga, acumulando-se a muitas atitudes descompostas e suspeitas
dos adversários. Não parecia que fossem os melhores; mas era manifesto que os
piores estavam com eles.
c) O prestígio
insuperável, e Deus queira que não insubstituível, de Salazar. O povo sentiu o
choque emocional de o ver tratado com desdém por um homem que pretendendo medir-se
com ele se inferiorizou irremediavelmente.
III
Na cidade e nas
freguesias
Na cidade a
votação manteve-se ao nível de 65% já verificado em eleições anteriores.
Em Novelas a oposição obteve uma pequena maioria,
facto significativo, porque foi sem dúvida devido à acção dos ferroviários e de
operários que trabalham no Porto e ainda de proprietários indiferentes ou
hostis.
Em Paço de Sousa
obtivemos uma maioria relativamente escassa. Ainda a influência de ferroviários
e operários.
Em Boelhe, Vila
Cova e S. Mamede mal atingimos um terço da votação, falta de elementos
preponderantes da situação.
Nas restantes
freguesias os resultados foram nitidamente bons e, em muitas, muito bons.
Seríamos
francamente optimistas se tais resultados não tivessem exigido um esforço que
pode não vir a repetir-se e se não víssemos o concelho muito desalentado pela
falta de ajuda, por parte do Estado, em obras e iniciativas de extrema
necessidade e urgência.
Penafiel, 13 de
Junho de 1958
O
Presidente da Câmara Municipal
Dr.
Francisco da Silva Mendes
Humberto Delgado na Praça Municipal em Penafiel
Curiosamente, a
originalidade deste relatório reside nas críticas feitas ao Governo, sobretudo
vindas do presidente da Câmara de um concelho onde a votação do candidato do
regime melhorara entre 1949 e 1958, ou seja entre as eleições de Norton de
Matos e Humberto Delgado.
Além disso,
chama a atenção para questões importantes como o sentido democrático da
população portuguesa, o sacrifício das questões e dos problemas locais em nome
da realização de grandes obras nacionais, que pouco diziam à maioria da
população, e a necessidade de tornar mais eficaz um incipiente sistema de
segurança social.
A partir destas
eleições, nada ficou como dantes. O império colonial, começa a desmoronar-se
com a conquista dos territórios portugueses na Índia (Goa, Damão e Diu), pela
União Indiana.
Entretanto, a
guerra colonial rompe em três frentes no continente africano, Angola, Guiné e
Moçambique.
O regime só vem
a ser deposto com o Golpe Militar do 25 de Abril de 1974, pondo fim a 13 anos
de guerra colonial, dando a independência a esses povos, e implementando um
regime democrático pluralista no país.
Hoje, passados
39 anos, vemos que o regime “democrático” começa a mostrar as suas
fragilidades, repetindo erros da primeira república, com os partidos a
tornarem-se nuns verdadeiros centros de emprego e não locais de debate de ideais
políticos para melhorar a vida do cidadão, o que não me admira nada, que
qualquer dia também caia de podre, por falta de democratas.
Um trabalho de Fernando Oliveira
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